domingo, 5 de junho de 2011

Baloiçar

"Há momentos em que a vida se assemelha a um baloiço. 
Por vezes, tens os pés bem assentes na terra, não andas nem para a frente, nem para trás, fazes movimentos giratórios, aproveitas a doce sensação de calma e de tranquilidade sem saíres do mesmo sítio. Há situações, em que, timidamente, começas a ganhar balanço e ora avanças, ora recuas, quando vais para a frente não fazes conquistas extraordinárias, mas quando retrocedes também não perdes muito. No entanto, há dias em que resolves dar balanço e ver até onde consegues ir, decides perceber como será a sensação do vento a beijar-te o cabelo, decides que queres conhecer a sensação de um pássaro que voa em liberdade, queres ter os raios de sol aquecer-te o rosto, queres voltar a sentir a alegria espontânea de uma criança pequena, e aí, o céu é o limite."

Porque nem sempre sabemos o que queremos e para onde vamos a seguir... mas estaremos sempre por aqui, a baloiçar-nos na nossa vida.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Perdão.

(Sempre tive dificuldade em compreender o dom do perdão. E mais do que isso, nunca consegui compreender a maldição do esquecimento. Intriga-me particularmente a capacidade de aparente absolvição de todos os pecados do comum dos mortais…)

Eu também perdoo, sim. Mas é difícil! Não consigo limpar todas as manchas de sangue que respingaram a minha memória. E muito menos fingir que nem nunca me sujaram. Não é água que evapora, é sangue que se entrenha. Tu não - tu consegues tirar crostas sem jorrar sangue, tu não tens cicatrizes mal saradas. E eu não – eu continuo a sentir cada gota, eu tenho medo de olhar para as cicatrizes. Como se apenas o olhar queimasse…

Como foste capaz de me apagar, como se nunca tivesse escrito uma pauta de intimidades, ou pintado um quadro em tons de felicidade ou até mesmo existido nesta simples forma de gente? Como esqueceste os suaves e doces pesadelos? Como consegues dormir todas as noites sem sequer olhar para trás? Sinceramente…não te lembras? Não te lembras de nada?

Sempre que tenho a infelicidade de me cruzar com a minha sombra, sou invadida por memórias absolutamente devastadoras, como se estivessem cosidas na minha pele. Sim, tento mantê-las no pequeno baú, lá no sótão. Mas sempre que passo por aquelas escadas, não consigo… não imaginas quantas vezes, não poderias! Não conseguirias, porque és o mestre do esquecimento.

Como consegues andar sem te deparares com o Passado? Quem sou eu para ti, sem nada do que sou? Nunca paraste, nem por um bocadinho? Como consegues olhar para mim sem sentires absolutamente nada? O que sou eu neste Presente, já que me tiraste todo o Passado? Nunca mais te lembraste de tudo o que não fui? Depois de tudo o que fui, de tudo o que fiz…tu esqueceste. Esqueceste-me. Quem esperas que seja no Futuro, se esqueceres também quem agora sou?

Não creio que me tenhas perdoado, não quero crer que me esqueceste. Não sei o que fizeste, mas sei que não és quem foste. Não somos o que fomos, bem sei. Não quero esquecer, porque é o que ainda sou. Mas quero perdoar, quero conseguir sonhar novamente.
Quero absolvição de mim mesma, quero que me recordes. Quero guardar-te, quero pedir-te para me ires buscar onde me deixaste abandonada. Quero cortar os fios que me prendem, quero que sejas feliz.

E eu, pequena escrava das estrelas, não consigo esquecer… Por que não te lembras?

terça-feira, 12 de abril de 2011

Folha vermelha.

Existe uma única árvore, em todo o Parque, que possui folhas vermelhas. E tu, tu és a única folha vermelha que permanece firmemente agarrada à sua árvore. À tua volta, um enorme espectáculo de folhas adormecidas no chão, folhas de todas as cores, de todas as árvores. Mas mesmo debaixo de ti (e talvez por isso não tivesses a vista mais privilegiada), há apenas uma enorme mancha vermelha – pequenas folhas vermelhas cravadas sujamente no chão de pedra. As outras árvores têm terra macia, folhas de cores, flores e frutos. A tua não. A tua tem pedra e folhas vermelhas, apenas.

Este espectáculo natural magoa-te de forma sobrenatural. Sendo tu a última folha vermelha, desilude-te o facto de estares sozinha numa árvore melancólica e indiferente. (Apercebeste-te de que jamais poderás mudar de cor como as folhas das outras árvores? Porquê? Parece-me absurdo não teres essa oportunidade, ou serás tu que não queres?)

Cai, então, a primeira chuva que te faz embalar num dos teus últimos sonhos enquanto choras… Sopra uma brisa que te desprende, cais dançando… (Mas eu sei que a tua existência foi muito mais do que um pesadelo feito de sonhos a mentir, foi um sonho feito de medos bem reais.)

Nessa tua dança graciosa, que tanto me angustia e sempre me fez chorar, caíste mas ficaste. Não foste embora, não abandonaste a tua triste árvore. (E se a árvore te chorou para te libertar? Porque não foste ser livre e feliz?)

Por mais que queiras, não viverás eternamente nesses suaves e doces pesadelos. Mesmo sendo a pequena folha vermelha, não.

(Um dia vais ser, sem mim…)

Espelho.

Olhou para mim…
Disse-me que já não me parecia com ninguém.
Nem comigo mesma.
Que já não era como havia sido.
E que já não desejava sofrer comigo.
Ternamente, agora, faz-me chorar.

E eu olho para mim…
Digo-lhe que sou eu, digo-me que continuo a ser eu.
Mas já não sou como fui, como queria ser.
E vou sofrendo comigo, por mim.
Amargamente, fiz-me chorar.

As lágrimas escorrem, perdidas e inseguras, no velho espelho da parede.
E eu vejo-as, como se lhes pudesse tocar...
Como se não fossem minhas.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A chuva.

Um jantar simples e perfeitamente normal. Um Ser incrivelmente especial. Uma noite de chuva como tantas outras. Uma relação mágica e única.

A dor de cabeça foi terrível, o humor foi inconstante, a mente foi insaciável.
Mesmo não existindo qualquer sombra de fantasma, pode ser-se assombrado pelo próprio pensamento... A verdade é que não existem sombras, ou fantasmas ou qualquer outra coisa que possa pôr em causa o que quer que seja. A verdade é, também, que algo indefinidamente estranho inquieta, tal pisco teimoso que teima em não sair do olho. A verdade é, ainda, que a chuva molha...

Uma vez mais, neste cantinho, o desassossego permanece. Como chegou ou por que veio, não sei; mas sei absolutamente que tem que ir, que quero que desapareça. É uma sensação estranhíssima a de não se ser rei e senhor de todos os pensamentos e emoções. Creio que nunca a tinha experimentado... É como se alguém invisível estivesse dentro de nós, a criar pensamentos que nunca nos ocorreriam, a plantar emoções que vez alguma teríamos escolhido para serem nossas. E tudo isto faz com que o nosso ser se nos torne estranho.

O mais incrível é que eu tento sempre desviar-me das pingas e hoje molhei-me... Ou molharam-me? Como um balde de água gélida despejado neste corpo - as gotinhas escorrem bruscamente, criando uma sensação arrepiante e de culpa...

E todos os pedacinhos de nuvens que chegam ao chão são pedacinhos de mim... O céu seria capaz de me compreender - a perda é agoniante. O chão também - a chuva magoa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O desassossego...

Depois de uma noite imensamente mal dormida, depois de voltas e voltas nesta minha pequena cama emprestada, finalmente acordei. Acordei, olhei para o lado e senti uma espécie de vazio... Não aquele vazio libertador a que já me habituei, que de quando em vez decide invadir o meu espírito apenas para eu parar e sentir. Sentir tudo o que quero sentir e não sinto porque a febre da razão não permite. Um vazio diferente... Um vazio amargo e terrivelmente sóbrio. Um vazio que se tornou o meu desassossego neste dia chuvoso...

Atormentada pelos sonhos bizarros que a amaldiçoada noite trouxe até mim, na tentativa de enganar o vazio inquietante, fui deambulando até ao Teatro. Um bom café, um bom ambiente, uma boa companhia. Nada. O café poderia ser leite, que eu não notaria a diferença - como se o meu apurado paladar fosse inexistente. O ambiente, por norma estranhamente familiar, apenas multidão desconhecida que não pertence aquele meu lugar, ou a lugar algum. A companhia (talvez a única coisa que senti para além do vazio ensurdecedor) fez-me bem, momentaneamente - porém, foi como se a minha sensibilidade se tivesse tornado invisível. Nada disto fez qualquer sentido para uma mente perturbada que procura sentido na mais pequena coisa e, simultaneamente, tenta escapar ao sentido das monstruosas realidades.

E agora? Um bom jantar na companhia certa irá certamente apagar este vazio...
Ou então não. Está entranhado na minha roupa - dispo-me, tento harmonizar-me comigo mesma. Está impregnado na minha pele - ponho perfume, tento enganar-me e enganar o próprio vazio. Não desaparece, não posso despir-me de mim...

Não! ...mas este vazio? Este desassossego tão vago e tão profundo é simples e insuportavelmente vazio. Um vazio cheio de nada e despejado de tudo.
A não ser que... Creio que tentei ir pelo caminho mais longo, desviar-me das pingas e não pisar muitas poças... para não sujar coisa alguma e muito menos alterar o perfeito alinhamento de qualquer coisa. A não ser que seja exactamente o que não deveria ser... Como pode ser pouco mais que nada, que desassossega como se fosse pouco menos que tudo, ou mesmo tudo?

Fica a esperança que o amanhã traga um pouco mais que este vazio...
Ou um pouco mais que nada...